sábado, outubro 23, 2004

Preciosidades


Quando a ponta do meu dedo indicador percorre a fileira de discos e escolhe um, o puxa à luz e o põe no leitor de CDs. Nestas ocasiões, em que as sextas-feiras descarregam a volatilidade da semana em jeito voraz, sabe muito bem pegar num disco destes e deixar a sua entoação pendurada no ar sobrante da casa. É muito mais que um acto isolado e rotineiro. Quando a voz volúvel de Mark Kozelek não se intimida, não segue regras, não aceita nenhum impedimento e segue quase febril, ao acaso dos meus gestos e da minha satisfação táctil. Quando um disco destes se ajusta perfeitamente ao termo da semana e inaugura outras passagens. Fazer deste instante uma festa. Repetir e misturar em violência as letras e a música, enquanto os segundos passam, enquanto as horas passam. Depois, algo aturdido pelo som hipnótico do piano, renovar a melodia muitas vezes nos minutos seguintes, deixá-la esmaecer, arremessá-la contra o silêncio e fazer dessa colisão uma raridade. Guardá-la dentro das mãos, e logo a seguir, sem fazer caso do meu próprio juízo, anunciar oficialmente a vinda do fim-de-semana.

«Tell me and take your time
Set free this soul of mine
Freeze frame this sedate moment
Lie me in your quiet ground

I understand your
Tired eyes for these
Tired homes and tired trees
I see the pain in those
Brown eyes
Fires burn in Autumm skies»

(Brown eyes, Red House Painters)