quarta-feira, setembro 22, 2004

Lisboa, muitas vezes Lisboa

Posted by Hello

Quando a chuva não é esperada tudo pode acontecer. Lisboa quase se detém, a olhar os pingos que caem do céu, sem nenhum acanho. Lisboa à chuva não faz sentido. Lisboa à chuva, em Maio, não faz sentido.
Hoje, que o logro do clima trouxe o caos e trouxe ao olhar das pessoas o desapontamento, pus-me à procura da melhor resposta às tuas palavras. Comecei a despreocupar-me das gentes que passavam, no regresso a casa. Olhava o chão, atento às frases e às palavras, punha os passos ao pendor dos textos. Não me lembrava dos prédios que ombreavam entre si em busca da noite, sôfregos, inquietos, sombrios. Esquecia-me dos passeios, das montras e das coisas dentro das montras. Queria apenas responder-te, chegar a casa com a missiva já pronta, sentar-me em frente ao teclado e só parar o acto do dedilho quando a chuva voltasse ao mesmo sítio de onde veio. Pois foi isso. Tentei absorver o impacto do meu silêncio. Tentei muito abrir o silêncio dentro de mim e oferecê-lo aos outros. Gritar-lhes um bafo de ausência. Desprezar as sextas-feiras chuvosas, ignorar o trânsito, abstrair-me dos fantasmas que olhavam o mesmo mar que eu, responder indiferença à altivez dos outros. Eu quis só pensar na tua carta e na minha resposta à tua carta. E assim fiz. Estas palavras como companhia, estas frases como uma música que acorda comigo e cresce até o dia findar, este texto como protecção aos dias enganadores. Tive que deixar de saber se era já noite ou se era a tarde a entrar na noite. O texto dentro de mim a aumentar, a aumentar, como este céu encoberto a crescer, a crescer. O cruzamento de muitos corpos apressados, o ruído mecânico da cidade, o ruído sofredor da cidade, o som oprimido das ruas que se agitam com os desejos das pessoas. Penso nestas palavras e atravesso a rua. A obscuridade dos prédios sobre o meu corpo, sobre a minha pele, os meus ossos formavam gestos e a minha roupa ia ao seu encontro, palavras, palavras, dentro da minha cabeça palavras. Chegar aqui não foi num instante.

1 comentário:

Unknown disse...

Se houvesse forma de conhecer as palavras sem as proferir, haveria solidão e silêncio em torno da expectativa do amanhã. Será que Lisboa terá chuva novamente? Será que há uma nova carta à qual queremos desesperadamente responder mas não encontramos forma de o fazer. Sempre as palavras que nos faltam e que no entanto nos enchem e preenchem constantemente deixando-nos à deriva.