terça-feira, fevereiro 28, 2006

Por outro lado (por muitos anos, por favor)


Ana Sousa Dias sabe escolhê-los muito bem. Em cada convidado um mundo de histórias, trejeitos, expressões, informações, humor, inteligência. Excelência. Aquilo que ela e os seus convidados fazem é muito mais que serviço público. Abrir tantas divisões de uma casa encantada aos espectadores daquela maneira tão simples e tão fascinante é uma forma de arte. Não são só os convidados, cada um com a sua experiência e capacidades peculiares, não é apenas o abarcamento em forma hipnótica com que cada conversador envolve quem ouve e assiste. O rosto sereno de Ana Sousa Dias, o seu tempo de espera e o manuseamento perfeito da conversa são os pilares sólidos que fazem de Por outro lado uma dádiva televisiva rara. Perco o fôlego só de imaginar uma colecção de DVDs com todas as conversas / momentos de arte deste programa. E depois penso no esbanjamento de dinheiro e de tempo em programas de conteúdo inútil. Penso nas oportunidades e na visibilidade do lixo, da desinformação, do regredir, da escória televisiva que abunda neste país. Filmes de pancada, telenovelas, telejornais amplificadores da inutilidade, concursos de dinheiro e (electrodomésticos) fáceis, as galas de prémios fúteis. O histerismo de uma sociedade moribunda.
Mas, enquanto existirem Por outro lado e Ana Sousa Dias (e os seus convidados) haverá esperança. Um dia, algum produtor executivo num qualquer canal vai ter coragem. Vai acordar, numa manhã de sol escondido, vai carregar num botão e fazer correr os estores automáticos do seu apartamento de luxo e vai tomar a decisão, ainda acamado no seu roupão de cetim. Esse director que, no fundo, sentencia o que o povo absorve e o seu estado de erudição, vai lançar-se para além do dinheiro e das audiências e vai entregar o protagonismo merecido e salvador a um programa como este.

Sem comentários: