
A partir de agora o tempo multiplica-se. Corre depressa, abranda, saltita, sobe as árvores nuas, pendura-se nos seus galhos, balança. Cai. A partir desta noite, vejo todos os ponteiros de todos os relógios mais longos que as suas sombras. São duas e um quarto, são quatro e meia, é uma hora, é uma e trinta e cinco. É meia-noite. O tempo que traz lá dentro uma revolução, uma revolta, uma transmutação. Fixado à parede de cal, o som metálico dos ponteiros é enrolado numa sombra que diz negro e diz dano e diz angústia. Vejo estas horas desiguais a serem uma lágrima ao fundo do corredor. Percorro-o, introduzo-me de manso nessas águas turvas, tento espreitar os buracos que não consigo alcançar com as mãos, silencio os meus passos e espero uma resposta, uma voz mortiça ao fundo, que do negrume me diga esperança ou suspire confiança ou murmure luz luz luz. Mas eu não vejo mais que pintas de alcatrão grosso. Eu não vislumbro nenhum rosto e muito menos escuto vozes ou suspiros ou murmúrios. Sinto a breve desunião do tempo. Sinto, vindo de cima e dos lados, numa explosão uníssona e crepitante, a tômbola das horas. Não tenho esperança, não tenho fé, não tenho, ao perto, a luz. Como se visse, a partir de agora, as horas do fim. Nítidas, nítidas.
4 comentários:
procuro sempre dissipar essa bruma que avança sobre mim. qual nevoeiro de fumo branco que me tolda a visão e me torna fria e distante. afasta-me por completo das visões terrenas. das ilusões do mundo que constituem a vida. a esperança. essa continuo sempre a guardá-la numa caixa de pandora.
Tic Tac...Tic Tac...
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