quinta-feira, março 17, 2005

Em frente dos olhos


Quase pus em frente dos olhos essa longínqua tarde de Verão. Agora não posso escrever sobre isto muito abertamente. Escrevo a ciciar. Ponho aqui estas palavras muito devagar e a olhar em volta, espreitando vozes e inclinações subtis do céu. Não quero agourar, não quero celebrar antes de tempo, não quero que o gelo ou a secura ou a rispidez me encontrem, escondido sob estas nuvens e sob este manto azul, a derramar estes desejos, estas demandas na lembrança. Quase pus em frente dos olhos aquela saudosa tarde de Verão e recordei páginas e páginas manuseadas por dedos densos de calor, de mar, de luminosidade. Arrisco muito quando escrevo isto. Quase a suspirar as palavras, quase a resgatá-las do pensamento como se resgatam os sonhos ao acordar. O que eu pretendo é sacudir do corpo este pó que sabe a gelo, o que eu realmente quero é fazer um golpe repentino no mundo e meter lá dentro o odor do Verão. Baixinho, debaixo da penumbra da cidade e do trovejar contínuo das pessoas, escrever muito devagar a minha necessidade de ter sobre mim outra estação, noutro lugar, e exclamar, mesmo no centro disso tudo, que é necessário que os dias se alonguem e as horas não fiquem a pingar mais as gotas do Inverno. Por isso, quase punha à frente do rosto estas nuvens e este azul que as atraca. Por isso, antes que a intempérie me encontre a debicar a memória dessas tardes fundas, tenho que escrever muitas vezes Verão Verão Verão Verão Verão Verão Verão, até fazer estilhaçar de vez este tempo carcomido e sem jeito nenhum.

2 comentários:

ContorNUS disse...

Olá. Poderia dizer muitas coisas, tal como parabéns, felicidades, etc, etc, etc...
Mas apenas queria agradecer-te, pois as tuas palavras passaram a pertencer ao rol de coisas boas às quais podemos ter acesso diariamente e que nos permitem esboçar um sorriso...

Anónimo disse...

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