sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Um longo Domingo


É assim que deve acontecer. Quando o filme se escapa da tela branca, se espalha pelas cadeiras cada vez mais vazias e se encosta a nós, pedindo abrigo. A querer ampliar o seu espaço, a querer prolongar-se como os humanos se querem prolongar ao longo da vida. Quando o filme não padece na oclusão das imagens nem no acender das luzes, como se as imagens, recentemente fundidas em nós, também quisessem percorrer o mesmo caminho que o nosso até à rua, descessem as escadas do metro e vissem o átrio completo de luz e despojado de gente, e também espreitassem o negro do túnel e o metal oleado dos carris, tal como nós, aguardando a golfada de ar quente, que antecipa a fereza da carruagem; como se as personagens e cada uma das suas frases exigissem outra dimensão, aparentadas aos nossos próprios passos na rua fria e muda; é quando os pormenores da história se expelem como estilhaços para fora do rectângulo branco à nossa frente e parecem ganhar a forma de outra companhia, de outra presença, que querem para sempre, unirem-se à nossa voz, aos nossos gestos, aos nossos desejos.
Era sempre assim que devia acontecer. Um filme a querer perpetuar-se em nós, uma sucessão de imagens e vozes e lugares que se arremessam ao nosso caminho e não se desviam, não se querem desviar. Não querem partir sem se certificarem que o nosso emudecimento momentâneo é de espanto, é de encantamento, é de reconhecimento.
É de querer viver muito.