domingo, setembro 04, 2005

O mentiroso


Havia muito tempo que carregava aquele grito às costas. «És um grande mentiroso». Todos os dias, aquela voz estrídula a exclamar-lhe por dentro mentiroso mentiroso mentiroso mentiroso. Sempre lhe apeteceu contar aos outros pequenas histórias, ligeiros enredos que fossem avessos à monotonia resultante dos dias. Queria desviar aqueles olhos tristonhos do chão e pô-los ao nível dos seus. Queria, no fundo, alegrar as pessoas. Todas as historietas que contava tinham um fundo de verdade e eram muito claramente influenciadas pelas coisas que via e pelas coisas que sentia. Num impulso, derramava as personagens, os eventos e os sítios. Aquilo fazia-o fervilhar. A sua única preocupação era descobrir até onde o levava a sua imaginação. Não pensava em engano ou desilusões. Não pensava na mágoa que os outros pudessem sentir quando, finalmente, tivesse encontrado o fundo ao saco imaginativo e levantasse a cortina, revelando então a verdade. Eram pedaços da sua criatividade e gostava de os expor às pessoas amigas. Como quem encosta às paredes duma galeria os seus quadros ou suas fotografias. Queria ser um incitador ao devaneio imaginário, um mostruário de novos mundos. Para ele, cada história começada era uma janela aberta à rua, fora do quarto bafiento da realidade. Ele dizia que aquelas narrativas fantasiosas acalmavam a sua frustração e lhe davam esperança. Era isso, ele queria ter esperança. «Um dia entro numa destas jornadas e nunca mais regresso.» Adeus hipocrisia, adeus, crueldade, adeus injustiça, adeus impossibilidade. Por isso, inventava pequenos relatos, que atirava aos outros com todo o ardor, acreditando que, com isso, as pessoas iriam sorrir e deixar de lado as agruras da actividade moderna. Era mesmo isso. Ansiava libertar toda aquela fuligem e trivialidade que exilava das pessoas com quem contactava. Sempre os mesmos problemas, sussurrados nas mesmas frases, às mesmas alturas do dia.
Agora gritavam com ele, «mentiroso, mentiroso, falso, falso, falso». Mas o calor desabou sobre a cidade quando ainda todos o acusavam. Esse estrondo fez dispersar as vozes acusatórias. Cada um seguiu o seu trajecto, cada um fechou o seu grito e prosseguiu, como se, de repente, houvesse uma mão que lhes desligasse um botão no corpo. «O que é que se passa?» O homem, a quem acusavam de ser mentiroso, queria que o olhassem nos olhos e vissem o seu espírito incrédulo. Queria correr atrás das pessoas e bater-lhes nos ombros, e depois mostrar-lhes o seu rosto cheio de verdade, a sua verdade. Mas as vozes acusativas desapareceram entre o polvilho da rotina diária. O homem da mentira ia andando de um lado para o outro. Incerto, com gestos ainda difusos, entrava no período do silêncio. A noite abriu as suas asas e escureceu todas as palavras e todos os pensamentos se tornaram certezas. Mas nenhum deles deixou de soar a mentira.

6 comentários:

Anónimo disse...

e o que é a mentira? e o que é a verdade? só sei que em cada um de nós existe uma verdade profunda que ninguém mais compreende!

Unknown disse...

Nem a propósito.
Estava justamente a reflectir sobre esta vontade, este encantamento que temos pela ilusão. Chamo-lhe ilusão e não mentira. Porque não deixa de ser a nossa verdade. Mesmo o mentiroso acaba por encontrar uma ponta de certeza em tudo o que inventa. Não acabará por acreditar nas suas histórias? Não se tornarão elas verdadeiras?
Só acredita quem quer acreditar...

Anónimo disse...

em que sítio do cérebro mora a realidade?
no ontem de quem não gostaste e fugiste
ou no hoje que vives mas não provas
e encaras os teus palmos que amanhã te julgarão
como parte integrante dos teus sonhos
envoltos em turbilhões
misturado com os fragmentos fora de sítio do passado
mas com vida própria

mais do que tu que dentro de ti os tens
e os não controlas
e os desvarios derrotistas
os que chamas quando menos podes e queres
que as nuvens te embalem
e no sono te levem
para
para longe

tão longe quanto possas ir
e no transporte
o longe se desfaça
mas o ontem volta
volta não só o ontem mas o mês passado também
e o ano que passou
e a altura em que
aquela árvore pegou fogo
e não foste capaz de o apagar
aquele fogo crepitante
malévolo que fez de ti mártir
por quereres e existires

e isto foi o que passou
no hoje queres e existes
tens quem te veja
és mártir por sozinha não existires

Anónimo disse...

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