quinta-feira, agosto 18, 2005

Estilhaços


Quando subia a rua sentiu as janelas tombarem sobre a calçada íngreme. Dentro das janelas havia vozes. Dentro das janelas viam-se gestos e vozes langorosas que flamejavam de indiferença, de miserabilismo. Viu os trilhos de metal que carregam os eléctricos. Ao cimo da rua gente passava e abafava os seus pensamentos. Cada passo muito vagaroso, cada lembrança a luzir-lhe por dentro, a pressagiar-lhe, de repente, tudo o que queria dizer. No eco dos seus pés, que embatiam no chão em lentidão extrema, quase inertes, assistiu-lhe, porventura, um tal fulgor no espírito que lhe palpitaram do cimo da língua todas as palavras que deviam ser ditas.
E disse: talvez o mar sejam as pessoas, talvez a voz que ouço do mar sejam as pessoas todas juntas, todas tristes que gritam, talvez o mar inteiro seja um grito e talvez esse grito só seja escutado em raros momentos, quando debruçamos a nossa alma sobre ele.
Talvez tudo seja feito com ferro, com vidro e com madeira. Talvez tudo seja feito de ferro e de vidro. E de estilhaços.

3 comentários:

Unknown disse...

talvez o mar seja tudo isso. ou apenas as nossas vozes escondidas no recondito da alma. talvez o mar seja alma. a nossa alma. talvez...

o melhor ainda será deixar o mar arrastar consigo a infindável caravana de ilusões.

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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