domingo, março 05, 2006

O esmaecer das cores


Como quem aguarda, deitado num banco envelhecido na estação de comboios, como quem lê um livro de pernas cruzadas na relva, como quem trinca uma maça enquanto ao lado a paisagem corre e a estrada corre e os ocres das paredes e as vinhas bem formadas nas encostas mancham o olhar, como quem, sentado numa cadeira, de pernas estendidas, ouve a rega e ouve a sua frescura pelo pátio adentro, eu aguardo, eu leio, eu mordo-me de curiosidade, eu escuto o amanhã. A fingir-me ausente, a captar com voluptuosidade o ancorar das cores nos meus olhos, do negro sobre o branco sobre o caprichoso cinza, a prestar atenção ao que dizem, a decorar com afinco a sua certeza e a sua energia. Fico, assim, em forma de desmaio interrompido, à espera que aquela névoa venha cair em cima da sombra e a transforme num sibilo semelhante ao que as lembranças fazem quando as vamos buscar ao fundo do corpo. Como quem ignora um sítio, as suas imperfeições e os seus humores, como quem tapa os ouvidos, se desprende do ruído circundante e prepara a pele para recolher a quantidade certa de luz.
E eu queria que isso durasse muitas horas, muitas viagens, muito tempo.

2 comentários:

Anónimo disse...

I have been looking for sites like this for a long time. Thank you! » »

Israel disse...

Quer escrever algum coisa pro meu blog? http://alemdaliteratura.blogspot.com/
israel_fa@yahoo.com.br